Quem trabalha com livros infantis e juvenis, invariavelmente já escutou as seguintes afirmações sobre os livros de imagem: “Esse é um livro para inventar a história” ou então: “Esse livro não tem história”. A primeira suposição faz algum sentido, visto que é necessário um esforço de observação para compreender a narrativa criada pela imagem. Grave, no entanto, é dizer que um livro em linguagem visual não conta uma história.
De modo geral, há um preconceito generalizado entre os adultos para com o livro de imagem. Esse fato é apontado pela ilustradora Marilda Castanha: “a maioria dos adultos, sejam eles pais ou professores, não consegue esconder certo desconforto ao lidar com os livros de imagem.” (CASTANHA, 2008, p. 145). Se num primeiro momento, é pelas representações que vamos entendendo o mundo, essa capacidade, ao dominar a leitura e a escrita, vai desaparecendo: “É como se, aos poucos, durante a trajetória de uma pessoa na vida escolar, ela se “desalfabetizasse” das imagens.” (Ibid. p. 145).
Muito embora seja comumente indicado para crianças ainda não alfabetizadas, um livro de imagem pode conter uma narrativa com enredo e complexidade. Além disso, um livro com essa proposta aproxima um maior número de leitores, pois o limite da língua desaparece: “Sem as barreiras da língua, o entendimento da imagem torna-se universal, porque o idioma da imagem é a própria imagem.” (Ibid, p. 148).
No Brasil, principalmente desde a década de 1970, quando se verifica um boom na produção de livros para a infância e a juventude, os elementos plásticos, o projeto gráfico e o uso de imagens têm recebido um tratamento especial na produção de obras literárias, sempre levando em conta o que a professora Vera Aguiar recomenda: “a ilustração e o plano gráfico-editorial não devem repetir os sentidos do escrito, mas levantar novas possibilidades leitoras, acionando o imaginário daquele que lê.” (AGUIAR, 2011, p. 121). Teresa Colomer (2017, p. 45) traz uma definição interessante sobre a composição da imagem em livros ilustrados: “A ilustração tornou-se, assim, um dos recursos mais poderosos, tanto para simplificar a leitura, como para proporcionar um andaime para narrativas mais complexas”. É necessário que as ilustrações elaboradas para um livro infantil ou juvenil não estejam ali por acaso, mas com intenções bem definidas, acrescentando camadas ao texto, como bem expõe a premiada ilustradora Ciça Fittipaldi (2008, p. 107): “A imagem visual presente nos livros ilustrados não impede nem restringe a fabricação de imagens mentais, não tolhe o imaginário do leitor. Bem ao contrário, as imagens visuais detêm uma enorme capacidade de abrir espaços no imaginário”.
Entre as editoras brasileiras há uma variedade incrível de publicações de livros de imagem que podem apurar a sensibilidade e o olhar do leitor para outras formas de entender uma narrativa. Marilda reflete sobre esse modo de leitura: “Para darmos unidade à sequência de imagens, observamos atentamente, reparamos em pequenos detalhes, refletimos sobre as diferenças que encontramos nas imagens ao comparar páginas. Isso é ler imagens. E é a mesma coisa que faz uma criança não alfabetizada. Ela se demora em cada quadro ou página, buscando sentido para o que vê. (CASTANHA, 2008, p. 143). Dar a oportunidade de os jovens leitores conhecerem os livros de imagem é ampliar o olhar e a capacidade de imaginação. Além disso, alguns livros, podem fazer um bem enorme a leitores de todas as idades. Experimente.
Sugestões de alguns livros de imagem:
Chapeuzinho vermelho do jeito que o lobo contou
Maurício Veneza, Editora Compor, 1999.
Um reconto do clássico Chapeuzinho Vermelho sob a perspectiva do lobo.
Pé de ponte
Semíramis Paterno, Compor, 2015.
Um abismo separa um menino e uma menina. Até que eles descobrem uma forma de encurtar as distâncias.
Crésh!
Caco Galhardo, Editora Peirópolis, 2007.
O cotidiano de uma família retratado com humor e ironia.
Selvagem
Roger Mello, Global Editora, 2010.
Um homem sai para caçar um tigre selvagem. A partir de então, uma série de situações se dão na casa vazia, capazes até de trocar tigre e caçador de perspectiva.
Vento
Elma, Global Editora, 2008.
Uma narrativa visual soprada por Elma, recriando a relação entre mãe e filhos envoltos pelo vento que brinca com a imaginação do leitor.
Casulos
André Neves, Global Editora, 2007.
Uma menina, borboletas e um casulo. As diversas possibilidades nesta narrativa visual de André Neves nos permitem entrar e sair da realidade, tudo com muita imaginação.
O fim da fila
Marcelo Pimentel, Editora Rovelle, 2011.
Um passeio pela floresta e seus habitantes. Uma brincadeira do começo ao fim para descobrir o que tem no final daquela extensa fila…
O menino, o jabuti e o menino
Marcelo Pacheco, Panda Books, 2010.
Uma emocionante narrativa visual retratando a trajetória de dois personagens: um menino e um jabuti.
Concerto de piscina
Renato Moriconi, Gato Leitor, 2021.
Uma piscina é o palco para uma ópera diferente: nenhum som, mas várias possibilidades de música e dança.
O menino-vazio
Jean-Claude R. Alphen, Editora Jujuba, 2012.
Um menino vazio, de repente encontra um pássaro. Desse encontro surge o crescimento do personagem e a possibilidade de perceber o que realmente importa na vida.
Dois passarinhos
Dipacho, Pulo do Gato, 2015.
Uma disputa entre pássaros pode nos levar a pensar sobre a forma como encaramos e utilizamos o mundo.
Bonezinho Xadrez x Cabelinho Vermelho
Silvana de Menezes, Editora Abacatte, 2022.
Silvana de Menezes faz uma releitura divertida do clássico Chapeuzinho Vermelho, numa história divertida e bem-humorada.
Como nascem os pássaros azuis
Walter Lara, Editora Abacatte, 2013.
Um menino brinca com papel, pincel e tinta. Mal sabe ele que será o responsável pela origem dos pássaros azuis.
Chapeuzinho Vermelho
Rosinha, Editora Callis, 2015.
Os três porquinhos
Rosinha, Editora Callis, 2015.
João e Maria
Rosinha, Editora Callis, 2020.
Na Coleção Conto Imagem, Rosinha reconta três clássicos da literatura mundial, com um diferencial, primeiro a história é contada em linguagem visual e depois em prosa.
Bocas
Dipacho, Editora Caraminhoca, 2022.
Quantas coisas as bocas falam sem usar palavras? Um livro lúdico e cheio de humor.
Referências:
AGUIAR, Vera Teixeira de. O compromisso de fazer literatura para crianças e jovens. In: OLIVEIRA, Ieda (org). O que é qualidade em literatura infantil e juvenil?: Com a palavra, o educador. São Paulo, DCL, 2011.
CASTANHA, Marilda. A linguagem visual num livro sem texto. In: OLIVEIRA, Ieda (org). O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil?: Com a palavra, o ilustrador. São Paulo, DCL, 2008, p. 141 – 161.
COLOMER, Teresa. Introdução à literatura infantil e juvenil atual. São Paulo: Global, 2017.
FITTIPALDI, Ciça. O que é uma imagem narrativa? In: OLIVEIRA, Ieda (org). O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil?: Com a palavra, o ilustrador. São Paulo, DCL, 2008, p. 93 – 121.